Por que devemos investir em Fisioterapia Centrada na Pessoa?

30 de maio, 2020

Fisioterapia Clínica vem ganhando espaço como conceito profissional moderno no Brasil

A Fisioterapia Centrada na Pessoa é, antes de mais nada, um método clínico que prima pela individualização da atenção ao indivíduo. Isso faz com que seja considerada por muitos um método muito mais humanizado de assistência na qual o paciente é visto como um todo indivisível e parte de uma comunidade.

Dessa forma, essa abordagem leva em consideração as necessidades, preocupações e vivências das pessoa. Nesse perfil, sentimentos e o contexto sócio-familiar das pessoas são muito importantes para a construção da ações completas no processo saúde-doença nos quais a tomada de decisão é compartilhada.

Esse método é muito diferente do modelo clássico biomédico, no qual a atividade fisioterapêutica é centrada na doença/disfunção, onde o objetivo principal da consulta é simplesmente chegar a um diagnóstico e traçar uma estratégia terapêutica basicamente tendo como ferramenta a semiótica do processo e que não leva em conta os fatores sociais, ambientais, espirituais e até emocionais de cada.

Esse modelo biomédico não-Fisioterapia guarda uma relação reabilitacionista, mas deturpa esse conceito na medida em o controle das decisões fica nas mãos do fisioterapeuta e o paciente é mero partícipe do processo (conceito paternalista).

A Fisioterapia Centrada na Pessoa possui quatro componentes que são extremamente interligados:

  1. Explorando a saúde, a doença e a experiência da doença

    A diferença entre a doença em si e a experiência que cada pessoa tem com a doença (adoecimento) é uma parte muito importante deste componente. Quatro dimensões são abordadas para o entendimento do adoecimento: SIFE (sentimentos, ideias, funcionamento e expectativas). O uso de perguntas abertas e a interpretação de expressões verbais e não-verbais são essenciais.

  2. Entendendo a pessoa como um todo – o indivíduo, a família e o contexto

    Resultado do acúmulo de informações que o fisioterapeuta obtém na consulta e ao longo de sua convivência com seus pacientes (família, trabalho, crenças etc.). Depende muito da longitudinalidade. É extremamente importante para a tomada de decisões no tratamento, pois diversos fatores podem afetar significativamente a experiência com a doença.

  1. Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas

    Decisões sobre a forma de tratamento são feitas pelas pessoas em conjunto com o fisioterapeuta. Os fisioteraleutas devem definir o problema e informar a pessoa sobre a doença para seu entendimento. As metas e as prioridades do tratamento devem ser estabelecidas de forma a aumentar a adesão.

  1. Intensificando a relação entre a pessoa e o fisioterapeuta

    O fisioterapeuta deve saber abordar pessoas diferentes de acordo com fatores como idade, gênero, estado emocional etc. O uso da escuta ativa é importante, mantendo contato visual, sorrindo e acenando a cabeça para demonstrar interesse, escutando a pessoa pelo tempo necessário à boa compreensão do problema, sem interrupções e utilizando perguntas e frases norteadoras para que a consulta seja a mais proveitosa possível.

A Fisioterapia Centrada na Pessoa parece ser o método mais interessante para fortalecer a relação entre o fisioterapeuta e seu paciente, principalmente quando esse profissional se torna “ porta de entrada da saúde”. Um dos principais requisitos para se atingir o estado de arte desse modelo é a empatia. Entender o problema e compreender as faces do processo com empatia é algo que gera confiança por parte do paciente.

O modelo de assistência massificada que vemos desde da década de 1970 no Brasil é um modelo que prega o contrário do que estabelecemos aqui. Em muitas clínicas, o número de atendimentos chega ao absurdo de 300/dia e isso com 3 ou 4 profissionais. Nesse cenário será impossível qualquer compreensão do processo saúde – doença ou mesmo que se dedique qualquer atenção individualizada à pessoa. Não é incomum que os procedimentos sejam determinados sem qualquer conhecimento básico por parte do paciente, ele apenas aceita e “segue o jogo”. Encontramos o paciente do “box A” ou do “leito 03” e isso por vezes o profissional comenta sobre o estado de saúde do paciente em questão sem qualquer cuidado ou empatia.

A necessidade de termos uma mudança radical no perfil do fisioterapeuta é gritante.
Percebemos que a sociedade civil não conhece a Fisioterapia Centrada na Pessoa e a grande maioria das vezes, o paciente busca seu tratamento em serviços descaracterizados de individualização por considerar que o que importa é de fato o seu problema e que Fisioterapia é Fisioterapia, como se não houvessem diferenças importantes.

A própria Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) descrita pela OMS já aborda de forma contundente todas essas características na relação fisioterapeuta – paciente e que considera fundamental para a formulação do diagnóstico em diversas áreas. Entendemos que o modelo biomédico ligado ao modelo reabilitacionista, onde as decisões verticalizadas e a falta de humanização na abordagem fisioterapêutica não atende aos anseios do fisioterapeuta moderno e nem apresenta a Fisioterapia Centrada na Pessoa à sociedade civil, tornando essas relações altamente superficiais e efêmeras, o que de fato não colabora para a resolutividade dos processos disfuncionais.

 

Dr. Wiron Correia Lima

Fisioterapeuta / Coordenador Científico da Sociedade Brasileira de Fisioterapia – SBF

Comentários

Rodrigo Vieira

Pelos próximos 2 anos pelo menos, acredito que teremos grandes mudanças na maioria das clínicas de fisioterapia.
O que a princípio pode parecer ruim, deve valorizar os bons fisioterapeutas, aumentar a remuneração dos mesmos e principalmente repensar os atendimentos.
Clínicas que atendem principalmente os planos de saúde, costumam colocar no mesmo horário, 6, 7, 8, e até mais pacientes para serem atendidos.
Justificativa dada às vezes pela baixa remuneração dos planos.
Mas, com o coronavírus circulando, a retomada de atendimentos com grande fluxo será inviável. E receber valores tão baixos pelos planos com uma demanda reduzida talvez não seja interessante.
Enfim, tempos de mudanças.
Abrir mais o olhar e enxergar além do imediato.
Vale a reflexão!

01 jun, 2020 Responder

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